sexta-feira, 30 de abril de 2010

O 1º dia

Acordei um tanto ansioso, dormi muito pouco, rolei na cama sabe? É incrivelmente difícil controlar o nervosismo quando se tem compromissos logo pela manhã. De qualquer forma dormi. Umas três horas apenas, mas dormi. Acordei as 5h30min da manhã. Moído. Morto. É terrivel quando acordamos com sono, como se não tivessemos dormido. Tomei banho. Um longo banho. Bem quente. Me troquei, coloquei uma calça bege e aquela indefectível camiseta dos Beatles. Fui para o trabalho.

A atividade em si não foi cansativa. Adoro dar aulas. Mas a pressão em fazer tudo certo quase acabou comigo. Fiz tudo o mais certo possível. Mesmo. Com vontade. Dei tudo que sabia e que podia lembrar na hora. Fui um pouco repetitivo na primeira vez, mas perfeitamente seguro depois. Terminei feliz. Voltei para casa de ônibus pensando em como seria bom se eu pudesse voltar me teleportando. Suei muito. Perdi o fôlego e tive náuseas. Cansaço severo acredito eu. Em casa eu dormi um pouco, pensando no jogo a noite e ainda naquelas aulas da manhã.

Lembrei um pouco antes de almoçar da discussão saudável que tive com uma aluna sobre a monstruosa falta de qualidade de Crepúsculo... e fiquei pensando em como poderia fazer isso todo dia apesar do cansaço.

quarta-feira, 28 de abril de 2010

Trabalho

"vagabundo que sou, acordando tarde
antes tarde do que numa hora certa errada"
(Antonio Saraiva,
Vagabundo)


Conta minha mãe que eu, quando bebê, dormia a maior parte do tempo. Com medo, ela checava se tudo estava bem e somente com a calma respiração do sono é que se tranqüilizava.

Conforme cresci, troquei o tempo que dormia no berço pelo tempo na frente da televisão. Nunca acordei cedo. Lembro de raras vezes que isso aconteceu e que fui tomei café com minha mãe. Porém, após vê-la sair para o trabalho, voltei a dormir.

Sempre fiquei em casa com minha vó, mesmo morando com dois tios, além de minha mãe. Todos eles iam para o trabalho e chegavam só quando o sol caia. Mas eu, nunca fui disso.

Diziam para mim que era enobrecedor. Mas as dores de cabeça e a cara fuzilando deles ao chegar não me passava nenhum sinal tranquilizador. Por insistência cheguei a ajudar na loja de meus tios, meu primeiro e último trabalho, graças a Deus.

Cinco reais a cada sábado, uma fortuna para mim. Mas não ficava feliz. Ainda que, no final do ano, tal quantia tenha me valido um excelente presente de natal que comprei a mim mesmo. Mas desde então nunca mais botei os pés nisso.

Me especializei em não fazer nada. Ser o tipo de pessoa talentosa que consegue, da melhor maneira, deixar os pés para cima. Esticar os dedinhos de maneira bem preguiçosa, virar de um lado e outro da cama, vadiar com devoção.

Ainda que existam quem diga que, as vezes, tiram o dia para não fazer nada. Eu resolvi tirar a vida. A toa, a toa.

Mas crescendo, os olhares indignados aumentaram. Invejando a vida que lutei para ter. Fazer nadinha de manhã, tirar uma modorra depois do almoço e ficar malemolente o resto do dia. E tudo isso, acreditem, é o suficiente para chegar a noite e eu ficar cansado.

Tem seu lado bom. Tanto tempo na preguiça me deu o dom de, só olhar, escolher os melhores sofas e camas para deitar. Aqueles que, além de conforto, dão uma vontade única de nunca sair de lá.

Assim passo meus dias. Fico na janela vendo os outros passando apressado, suando em suas camisas de trabalho. E eu confortável com meus chinelos.

Trabalho que tenha os outros, eu nasci para viver com os pés para cima.

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Introdução ao trabalho intelectual

E agora eu preciso escrever mais 15 páginas, no mínimo, até dia 3. É prazo, deadline, se eu atraso lá vem morte. Ou reclamação. Meu orientador não entende, não sabe que entre uma ponta e outra do doutorado têm 7 países, 4 namoradas e uma meia dúzia de amantes. Sem contar os amigos que tiram a atenção pra levar você pro bar...

Mas tudo bem, que agora eu parei tudo. Só o texto, só a tese, resolvido. Se eu estivesse na praia, ainda, seria mais difícil. Mas não é não; agora eu tô aqui, enterrado até o umbigo num mar de livros, sem ninguém pra atrapalhar.

E esse é o problema, o puto do problema. Agora eu preciso escrever, eu preciso reler tudo e ler de novo, e anotar uns entre-aspas e escrever, e escrever. Uma tese original, uma ABNT, eu preciso pensar, preciso ser bom, ser genial. Isso dá trabalho

e eu acho que nem consigo. Não dá, sei lá, como vou fazer pra inovar? E que vai adiantar? Servir pra quê, isso vai? Pra nada, uai, aposto, tenho quase certeza. Absoluta.

Ficasse na labuta de acordar cedo, ir pra roça carpir mato, cortar cana, rachar lenha, trabalho brabeza mesmo, isso sim, trabalho. Agora eu, aqui? Trabalho? Só me pagam porque sonham que eu faço alguma coisa das que presta.

Mas eu sei que é só conversa.

sexta-feira, 23 de abril de 2010

As páginas

Abri suas páginas com um ardor que normalmente me falta na vida cotidiana. Não que eu seja frio. Apenas entediado. Suas páginas eram como quaisquer outras se vistas com o devido distanciamento. Brancas, com letras miúdas, sem figuras. Se olhássemos bem de perto, só veríamos melhor suas letras. Mas se olhássemos com atenção. Com toda a atenção devida. Veríamos todo o mundo que se escondia nessas páginas tão comuns. Um mundo vasto o suficiente para merecer de mim todo o ardor que eu não dedicava à vida cotidiana.

Quando ele chegou, eu o recebi como se fosse uma visita importante. Passei um café e dediquei tempo a ele. Eu abri o plástico que o recobria com tanto carinho, que poderia muito bem se passar por uma experiência física o que normalmente é uma experiência intelectual. Não toleraria nenhum amassado. Os únicos amassados aceitáveis em um livro são os feitos durante a atividade da leitura. Todos os outros são blasfêmias.

Depois de passada a emoção sentida – algo perto do êxtase, mas com a serenidade necessária para o momento – eu pude finalmente sentar-me e começar a utilizá-lo da maneira devida. Lendo. Comecei com a orelha. A acariciei como faria com qualquer outra dama. Depois passei para o corpo. Com aquele temor delicioso que nos toma conta antes de nos entregarmos a quaisquer atividades prazerosas. Um temor de que acabe antes que fiquemos de fato saciados.

Guardei-o, displicentemente, em cima do criado-mudo. Ali, a vista. Não o havia lido todo. Não, não gastaria tudo de uma só vez. Guardei-o assim como guardei meinha vontade, pulsante, bem fundo em mim.

De vez em quando, logo após chegar da rua, eu o abro e leio com ardor, trancado no quarto, para que ninguém me interrompa. Leio um pouquinho. O suficiente para que a minha imaginação se reabasteça, mas não o bastante para poder me cansar. Não. Quero poder lê-lo por muito tempo ainda, conservando o frescor da novidade e das revelações. Conservando o ardor que não dedico a mais nada.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Ler é Saber

Antes do sol bate já tô de pé. Não gosto, mas preciso. Saio de casa, desço o morro e vou pro meu lugar. Aquele que os fardados me deixam ficar sem que me dêem sopapo.

Quando durmo é por cansaço, parece que lá dentro a barriga arranha de tão vazia. Mas se vai ficando tarde e eu não consigo nada, o jeito é voltá pra casa faminto. Pobre andando na rua a noite é alvo fácil de porrada, e eu ainda não me recuperei da última.

Nunca peço em nome da minha mãe. Aquela maldita que bebe sem parar. Peço pro meu sustento, prá manter esse esqueleto magrelo em pé.

Esses dias fui pedir no sinal, e um moço me mostrou uma placa que dizia para não me dar dinheiro e sim cidadanaia ou algo assim. Eu não sei o que é isso não, mas se fô de comer, que chegue logo que minha barriga tá doendo.

Ontem eu achei que sorte tinha me encontrado, um moço parô com o carro, carro fino, magnata, e eu pensei que ia consegui um pouco pra comer. Não sou cheradô de cola. Eu quero só enche a pança pra vê o sol nascer amanhã.

Ele me perguntô se eu sabia ler, disse que não. Se eu gostava de história de aventura, e toda segunda eu via na barraca do seu João uns filmes legais naquele canal das pessoas bonitas, então disse que sim.
O moço abre a porta de trás do carro e tira uma caixa, fuça nela e dá algo que ele chamo de livro. “Pode pegar, filho. É seu. Você vai ver como isso vai mudar sua vida”.

Peguei, virei de um lado, do outro, não vi nada. Começou a chover e nem da chuva me protegeu. Fico tudo torto depois disso.

Já tentei trocar, desde ontem, com tudo que é amigo meu por um naco de pão, mas isso aqui não tem jeito. Eu só reconheço que essa letra aqui é do meu nome, Emerson, e só. Tem uns desenhos que eu fico vendo, fico vendo com força até a vista cansar pra ver se a fome passa. Mas não tem jeito não.

O que eu faço, hein? Enquanto eu não sei ler e tudo que eu coloco pra dentro é o ar? O que eu faço quando peço comida e acham que eu sou ladrão ou me mandam trabalhá. Ninguém me dá trabalho, senhor, começam a olhar pelo cabelo e já dizem que “aqui marginal não trabalha”.

Quem vai encher minha barriga quando ela estiver vaziazinha e eu estiver tombando de fome? Hein, doutô? A porra desse livro aqui? Não, senhô. Não.

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Memórias desmortas de Brás Cubas

Machado de Assis & Leandro Durazzo

CAPÍTULO PRIMEIRO / ÓBITO DO AUTOR

Algum tempo hesitei se devia abrir estas memórias pelo princípio ou pelo fim, isto é, se poria em primeiro lugar o meu nascimento ou a minha morte. Suposto o uso vulgar seja começar pelo nascimento, duas considerações me levaram a adotar diferente método: a primeira é que eu não sou propriamente um autor defunto, mas um defunto autor, para quem a campa foi outro berço; a segunda é que o escrito ficaria assim mais galante e mais novo. Moisés, que também contou a sua morte, não a pôs no intróito, mas no cabo: diferença radical entre este livro e o Pentateuco.

Outro fator me leva a isso; não sou nem nunca serei um morto tranqüilo, que descansa em paz e tem aos pés do túmulo um buquê de flores. À vida pacata contrasta a morte corrida, com a pressa dos meninos que correm a pegar o bonde em curso. Sou um desmorto, um defunto, e se não tive em vida muitas ânsias, agora sinto a ânsia de comer a vida.

Dito isto, expirei às duas horas da tarde de uma sexta-feira do mês de agosto de 1869, na minha bela chácara de Catumbi. Tinha uns sessenta e quatro anos, rijos e prósperos, era solteiro, possuía cerca de trezentos contos e fui acompanhado ao cemitério por onze amigos. Onze amigos! Verdade é que não houve cartas nem anúncios. Acresce que chovia — peneirava uma chuvinha miúda, triste e constante, tão constante e tão triste, que levou um daqueles fiéis da última hora a intercalar esta engenhosa idéia no discurso que proferiu à beira de minha cova: — “Vós, que o conhecestes, meus senhores, vós podeis dizer comigo que a natureza parece estar chorando a perda irreparável de um dos mais belos caracteres que têm honrado a humanidade. Este ar sombrio, estas gotas do céu, aquelas nuvens escuras que cobrem o azul como um crepe funéreo, tudo isso é a dor crua e má que lhe rói à Natureza as mais íntimas entranhas; tudo isso é um sublime louvor ao nosso ilustre finado.”

Bom e fiel amigo! Não, não me arrependo das vinte apólices que lhe deixei. E foi assim que cheguei à cláusula dos meus dias; foi assim que me encaminhei para oundiscovered country de Hamlet, sem as ânsias nem as dúvidas do moço príncipe, mas pausado e trôpego como quem se retira tarde do espetáculo. Tarde e aborrecido. Viram-me ir umas nove ou dez pessoas, entre elas três senhoras, minha irmã Sabina, casada com o Cotrim, a filha, — um lírio do vale, — e... Tenham paciência! daqui a pouco lhes direi quem era a terceira senhora. Contentem-se de saber que essa anônima, ainda que não parenta, padeceu mais do que as parentas. É verdade, padeceu mais. Não digo que se carpisse, não digo que se deixasse rolar pelo chão, convulsa. Nem o meu óbito era coisa altamente dramática... Um solteirão que expira aos sessenta e quatro anos, não parece que reúna em si todos os elementos de uma tragédia. E dado que sim, o que menos convinha a essa anônima era aparentá-lo. De pé, à cabeceira da cama, com os olhos estúpidos, a boca entreaberta, a triste senhora mal podia crer na minha extinção.

— “Morto! morto!” dizia consigo.
- “Morto! quase morto!” dizia comigo, mas sussurrava tão baixo que nem meus ouvidos ouviam.

E a imaginação dela, como as cegonhas que um ilustre viajante viu desferirem o vôo desde o Ilisso às ribas africanas, sem embargo das ruínas e dos tempos, — a imaginação dessa senhora também voou por sobre os destroços presentes até às ribas de uma África juvenil... Deixá-la ir; lá iremos mais tarde; lá iremos quando eu me restituir aos primeiros anos. Agora, quero morrer tranqüilamente, metodicamente, ouvindo os soluços das damas, as falas baixas dos homens, a chuva que tamborila nas folhas de tinhorão da chácara, e o som estrídulo de uma navalha que um amolador está afiando lá fora, à porta de um correeiro. Juro-lhes que essa orquestra da morte foi muito menos triste do que podia parecer. De certo ponto em diante chegou a ser deliciosa. A vida estrebuchava-me no peito, com uns ímpetos de vaga marinha, esvaía-se-me a consciência, eu descia à imobilidade física e moral, e o corpo fazia-se-me planta, e pedra e lodo, e coisa nenhuma.

E depois, alguma coisa. Não sei ao certo, mas tive a decência de não levantar em meu próprio velório. Enterraram-me sem nenhuma suspeita, creio, embora o olhar de assombrado que um homem lançou quando quase tossi.

Morri de uma pneumonia; mas se lhe disser que foi menos a pneumonia, do que uma idéia grandiosa e útil, a causa da minha morte, é possível que o leitor me não creia, e todavia é verdade. Vou expor-lhe sumariamente o caso. Julgue-o por si mesmo.

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Sensação

Quase no final Roberto decidiu que não sairia dali. Não sairia de maneira alguma. Não teria mãe, nem pai, nem gerente, nem polícia, nem ninguém que o tirasse. Não. Não sairia.

Vontade não faltava, mas dessa vez teria também a firmeza necessária. Não sairia!

Da outra vez sua mãe o convencera, o tirara, prometera um brinquedo novo que nunca veio. Não acreditaria nela novamente. Não. Não sairia.

Era claro para ele que chegariam as ameaças, elas sempre chegavam. Era claro para ele que chegaria a hora das chantagens... o metier é sempre o mesmo. Sempre, mas não. Não sairia!

A sensação do vento batendo na sua pele valia cada chantagem e a vertigem em seu ventre valia cada ameaça. Não, de fato ele não sairia. Jamais.

Iria de novo e de novo e de novo, até cansar e como não cansaria nunca, não sairia.

A sensação de coragem, de dever cumprido, coisas que ele nunca teria no mundo de sempre, eram o seu combustível para àquela luta incessante contra o poder estabelecido. Era um mártir, um rebelde, um contestador. Mas diferentemente dos tolos que o precederam na grande linhagem dos rebeldes, dos contestadores e dos mártires ele só pensava em si. Nada de coletivo, de social de coisas bobas que não tivessem a ver com o prazer dos braços subindo e levando a adrenalina junto. Ele não sairia! Ponto!

E por fim, acabou. Acabou e todo o mis-en-scène aconteceu. E de fato, pro nosso entendimento da história, seria bom saber se Roberto, por fim, cedeu ou não. Mas não se inventam mártires, rebeldes e contestadores contando toda a história. Por isso paro por aqui.

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Roda Gigante

A noite era um emaranhado de cores brilhantes. Canções de tom felizes que saiam de alto-falantes mono tônicos e doces que invejavam os insetos que os rodeavam.

Eu beliscava um pedaço de seu algodão doce, tingido com um tom de rosa bem falso e ela caminhava distraída, tão estúpida que, por diversas vezes, passava a mesma mão suja de doce no cabelo, para ajeitá-lo.

Paramos em frente a roda gigante, lugar onde sempre tive um leve tremor. “Você sabia que em inglês, um parque é chamado de Carnivale?”, ela me disse. “Não”, respondi, e continuei olhando para cima, como uma criança.

“Gosta da roda?”, me perguntou. “Acho fascinante”, respondi. Ela riu e a encarei com meus olhos claros, dando certo aval para que prosseguisse. “Como pode gostar do brinquedo mais bobo de um parque de diversões?”. E foi apontando os que achava mais divertido. O que virava ao contrário, o de queda vertiginosa e o que não parava de balançar.

Olhei a roda. As luzes imponentes, muitas delas falhas olhando de volta para mim. Um pingado de crianças fazendo fila. Inclinei minha cabeça para o brinquedo e para a moça, “deixe-me mudar sua opinião”.

Éramos os maiores da fila, além dos país que acompanhavam os pirralhos. Cada carrinho dava lugar para quatro pessoas, mas fechei a porta quando uma mãe com uma criança gordinha tentou entrar, “estamos lotados”, disse.

O fluxo começou a funcionar, mundo girando ao contrário no espaço tempo e subindo. As lufadas de ar que batiam na barba, uma sensação mais fria do que a terrena.

A roda quase chegava ao seu topo e o parque era todo meu. As luzes da entrada, os brinquedos de rodopio, os que giravam, tudo parecia meu pequeno mundo de miniatura por poucos segundos. Rodamos por duas vezes até, um por um, o operador fazer-nos descer.

Permaneci em meu acento, a moça me olhando com um olhar estranho. Chamei o rapaz, tirei uma nota da carteira, coloquei em seu bolso da frente dizendo: “me deixe lá por, pelo menos, dez minutos”. Ele acenou com a cabeça, fechou nosso carrinho e rapidamente nos fez girar.

A cidade ampliava-se, ganhava contorno e, lá de cima, tudo era mais silencioso. Sorri. “Vê?”, disse.

Estiquei meus pés em cima do outro acento vazio dizendo “é um mundo maravilhoso lá embaixo. Tudo o que precisamos é de perspectiva. Agora, sente e sinta-se como um pequeno deus.”

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Jaime Palilo

Um carrossel e um palhaço. Assim começa, quando o homem pintado de fera aperta o botão vermelho. O carrossel começa a girar, girar, e eu não sei ao certo onde estou. Não mais. Só uns borrões de cores e luzes, voltemeia o palhaço passando na vista, parado ao lado da mesa de controle. Girando rápido, borrões e cores.

Já vejo o homem a cada 20 segundos. O carrossel vai mesmo rápido, e acelera. Ele, palhaço, agora espera sentado no chão, ao lado botão vermelho, uma alavanca e manivela. Que coisa, podia jurar que era uma vela o que ele tinha na mão...

Mas não, não era; o homem pintado de urso fumava um cigarro, um charuto, um cachimbo, não sei. Sentado ao lado do carrossel velho. E eu girava mais rápido, vento nos cabelos, rosto assustado e mãos crispadas no arreio do bode.

Porque sei lá, foi num bode que eu montei, e ele era o mais rápido dos seis. Um bode, um dragão, uma onda. Eram os três primeiros, pintados de dourado e verde. O bode tinha bigodes pretos, mas as cores eram dourado e verde, principalmente. Os outros eram tão sujos e desbotados que eu não sei se eram um tapete, uma vaca e uma arara ou uma bandeja, um cachorro e a dona do albergue em que fiquei em Barcelona...

O palhaço aparecia à minha vista a cada 3 segundos, e achei que estivesse louco. Eu, não o palhaço... eu, porque depois da terceira vez que vi o homem minhas mãos eram pequenas, como de criança escondida sobre a mesa de brigadeiro em festa de família. Notei que ia de costas, montado ao contrário no burro. Só notei depois de muitas voltas, mesmo, sou desligado feito meu Tio Crispim.

Meu tio Crispim, que vinha com um sacão de pipoca me tomar pela mão e levar para longe daquele brinquedo. “Chega de girar, menino, que tu já tá é tonto. Chega de girar e vamos ver o resto”.

Entramos na casa dos espelhos...

sexta-feira, 9 de abril de 2010

O Teatro dos Vampiros

Lugar: Sala de Casa

Em Cena: Eu, sofá, mesa de centro, vaso de petúnias e televisão

EU: Quando me percebi na vida
Tendo a assustadora missão
De apenas vivê-la e mais nada
Te descobri.

[Liga a Televisão]

........................Eu tive medo
Perdi o sono, não tive amigos
Perdi todos os meus sentidos.

[Longo silêncio]

EU: Não sou perfeito, disso eu sei,
Não quero ficar preso aqui
Mas a distância me encanta
E a vida que vi em você
É mais colorida e mais cheia
Que essa vida que me rodeia.

[Levanta, vai até a mesa de centro e arruma o vaso de petúnias]

EU: Há dez anos eu era igual
Ao que sou hoje, não mudei
Sempre precisei de atenção
Um pouco que fosse e você
Em um instante apareceu
E essa mudança aconteceu.

[Se senta na poltrona]

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Como Se Não Houvesse Amanhã

inspirado por Pais e Filhos

Agradeço a gênese de minha família, quase todos os dias. Tenho trinta, mas é difícil notar as falhas no rosto. As pequenas trilhas que nascem com o peso, na pele, por causa dos verões. Sinais de que já não somos nem muito mais crianças, nem tão velhos. No transito entre pais e filhos, onde uns já perderam seus criadores e outros planejam a geração futura.

Foi nesse período que tive meu último encontro com Juliana. Na praça que caminho todos os dias na rota de meu trabalho. A cada passo, seus traços foram ficando mais delineados. Primeiro a curva dos cabelos, depois os grandiosos óculos de sol que usara desde que a conheci, e, por fim, o rosto infantil que imaginei também resistir ao tempo, graça a gênese de sua família.

Sua roupas eram comuns, de quem arrisca um passeio leve em um dia da semana. Minha aproximação, como imaginei, trouxe surpresa ao seu semblante. Primeiro sorri, depois tirei meus óculos de sol, e a após poucos segundos ela pode retribuir o sorriso e me reconhecer. Nos abraçamos.

Antes disso, a última vez que a vira fora em sua adolescência, enquanto cursava medicina na cidade em que morei desde que nasci. Nessa época, nossa relação, se posso chamar assim, estava tão destruída como após o incêndio que Nero ateou em Roma. Mesmo assim, mantínhamos as cordialidades. Trocava-mos acenos se nos víssemos de longe, palavras vazias de quem não está curioso, apenas para passar o tempo. Estranhos comunicáveis.

Nada fora diferente dessa vez. Seu rosto, única imagem que eu poderia comparar com aquela juvenil, parecia quase o mesmo. Exceto por um retrocesso nos cabelos, e alguns vincos extras que, agora de perto, pude perceber.

Parecia que estávamos lado a lado por obrigação, e conversamos por alguns minutos. Falamos do rumo de nossas vidas, do que eu fazia naquela praça, caminhando para o meu trabalho, sem problemas de chegar atrasado, e que ela esperava a filha, que sairia da pequena escola em frente a praça.

Suspirei, e disse a ela, por um impulso, que ela não tinha mudado. Ela me deu um sorriso metade verdadeiro, metade falso, respondido por um “você acha?” enquanto dava uma volta inteira para meu olhar.

Notei nas costas uma inscrição e lhe perguntei o que era. “Uma frase que levo na vida”, e retirou o cabelo da frente para que eu pudesse ler: “é preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã”. Minha leitura fora de um modo tão profunda que, sem querer, toquei na marca da tatuagem. Ela protestou automaticamente, dizendo fazer cócegas.

Eu ainda podia lembrar de nossa juventude. Das palavras que ela me dissera verões passados, e essa mesma inscrição, estampada para sempre em suas costas me deu um embrulho no estômago. Por mim, eu voltaria para casa e não iria mais ao trabalho.

Fora como se pedaços de minha memória se espatifassem pelo chão, trazendo a tona tanto do passado que quase me nauseei. Tentei conter tudo que veio ao meus olhos, mas não sei se fui capaz.

As crianças saiam do colégio e, olhando-as, passei a imaginar Juliana como mãe. Filha mais velha de três irmãs, cuidando-as dela desde sempre, como se sairia sendo mãe oficial? Me recusei a perguntar sobre o pai, aquele homem que ela disse ter amado tanto, ter feito sofrê-la tanto e que, por fim, a abandonou.

“Deixe-me adivinhar”, disse. “É a pequenina de cabelos levemente ondulados, de roupa vermelha, carregando um desenho que parece uma flor”. E ela assentiu com a cabeça. “Parece com suas fotos de criança. Você está nela como ela está em você”.

Juliana abaixou-se e a filha veio correndo em sua direção. Trocaram um abraço e beijos, e a pergunta curiosa veio da filha, perguntando quem era o moço que a acompanhava. “Um velho amigo”, respondeu.

A mãe, com a filha no colo, me deu um beijo seco, dizendo como foi bom ter me visto e que, caso nos víssemos de novo, nessa mesma praça, poderíamos conversar. E acompanhei o passo lento de Juliana saindo na praça, com a blusa aberta nas costas com os dizeres cobertos pelo cabelo espesso.

Voltei a sentar-me, levei a mão aos olhos e, olhando no relógio, constatei vinte minutos de atraso. Passei o resto do trajeto com a memória em Juliana.

"Um amigo", ela respondeu. Juliana. Durante toda sua vida lutou para ser aquele tipo de mulher inesquecível, que não sabia ser amada até encontrar quem a amasse. Tentou, diversas vezes, seguir aquilo que achava ser honesto e verdadeiro. Deixou tantas coisas para trás que o choque daquelas palavras em suas costas me surpreendeu. Não pude me lembrar de quem ela amou sem amanhã. Enquanto ela abraçava a filha, procurei em seus olhos amargura. Mas tudo que vi foi um vazio e amor pela filha que estava ao seu lado.

Era irônico e eu podia notar. Todo seu desejo, toda sua força em preservar o amor de nada valeu porque dentro de si, dentro daquele peito que eu conheci outrora, de maneira febril e jovem, sua vida tinha sido construída como base de máguas e rugas. Pedras no caminho do que amores sem espaços temporais.

A inscrição em suas costas me entristecia. Muito mais ao saber que ela, quanto eu, envelhecemos e continuávamos ali, em caminhos mortos, carregando palavras que só alimentavam nossos moinhos de vento, ilusões tristes e juvenis.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Eu sei

MARTA diz:
. Ai, jorginho... eu fico louca! Liga a webcam...
Phoenix diz:
. Tá.

Você convidou Phoenix para uma chamada de vídeo.
Conectando...
Conectado!

MARTA diz:
. Ah, bem melhor... EI! Quem tá aí atrás?
Phoenix diz:
. Atrás? Ninguém, tá doida?
MARTA diz:
. Atrás sim, moleque! Na tua cama, dá pra ver daqui... é uma mulher que eu tô vendo. Porra, Jorginho, é a Natália!!!!
MARTA diz:
. fdp
. fdp!!

Phoenix diz:
. Filho da puta? Por que? Eu não fiz nada demais...
MARTA diz:
. Ah não? Não? Então por que tá comigo aqui, online, falando putarias há quase uma hora? Por que, canalha? Se tinha essa menina atrás de ti, vendo tudo...?
Phoenix diz:
. Ah, eu não menti sobre isso. Ela não tava aqui... tinha ido tomar banho. Não quero pensar que eu minto, aliás. E, querida, já que tu notou a Nati ali, deitada e nua, vou aproveitar e deitar lá também. A gente se fala, gata.

MARTA diz:
. Mas.... não, não vá agora

Phoenix desligou-se
Justificar
Marta diz:
. Merda!

domingo, 4 de abril de 2010

Reabertura do Clube




Um dos grandes sambistas brasileiros, Paulinho da Viola disse, certa vez, palavras que até hoje são repletas de vivacidade: “solidão é lava que cobre tudo”. A solidão é um dos aspectos da alma humana.

Foi com essa intenção, esse tema profundo e rasgado de nós, que o Clube dos Corações Solitários do Sargento Pimenta surgiu. Como um espaço para se publicar literatura, por si só um movimento solitário, já que só um artista produz a obra e seu leitor, do outro lado, lê.

Durante certo tempo o blog manteve-se ativo, com textos semanais de seus dois fundadores, Leando Durazzo e Thiago Augusto Corrêa, até que aos poucos, com freqüência menos ativa, o clube teve, não suas portas fechadas, mas uma evasão de membros.

Buscando pontuar a internet novamente com boa literatura de pretensos escritores, o Clube reabre suas portas trazendo duas novidades. A primeira delas é o amigo escritor Arthur Malaspina, que já trabalhou com a dupla em outros projeto e é o mais novo membro do solitário Clube. A segunda é que, a partir de agora, semanalmente, três textos literários entraram no ar, sempre seguindo uma temática específica, escolhida anteriormente pelos escritores.

Tal artifício não só dá mais espaço para a criatividade e o desafio, como também demonstra como um só tema pode criar três textos distintos. Dessa forma temas, palavras, situações e datas comemorativas figuraram como os assuntos abordados a cada semana.

Nessa reabertura do clube, os textos voltam-se para as letras do cantor Renato Russo, da banda Legião Urbana. Através de suas letras, os escritores irão prosar, criando nova literatura.
Para os leitores não se perderem, um calendário apontado os assuntos futuros, bem como os temas já abordaram, ficará exposto ao lado.

Espero que o novo Clube dos Corações Solitários agregue mais e mais leitores. E que todos gostem do show que, com dedicação, preparamos, semanalmente a vocês.

Excelcior,

A direção.